As provocações no caminho de Miguel Sousa Tavares
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Sousa Tavares concedeu entrevista ao jornalista Isaac Lira, da Tribuna do Norte |
Miguel Sousa Tavares é um homem polêmico. Provocado, não se furta a comentar nada da validade das redes sociais na internet aos conflitos com outros escritores em seu país, Portugal. Essa característica, bastante difundida em terras portuguesas, estará visível para o público potiguar no primeiro dia de Festival Literário de Pipa, onde o escritor português falará sobre "Romance e historicismo em Equador", no dia 17 de novembro, às 19h, com o jornalista desta TN, Woden Madruga. "Equador", romance histórico ambientado na Portugal colonial, foi o primeiro romance de Miguel Sousa Tavares e está disponível em forma de minissérie na TV Brasil. Em entrevista, no entanto, o escritor nega a pecha de escritor de "romances históricos", perceptível na crítica após a publicação de seus primeiros livros. "Não tenho regra, ou apenas esta: escrever aquilo que me apetece escrever em cada momento", diz. Entre outros assuntos abordados, Miguel Sousa reafirma vontade de vir morar no Brasil, fala sobre a importância da literatura brasileira na sua formação e condena ferramentas virtuais, como o Facebook.
O senhor declarou há três anos que planejava vir morar no Brasil. Ainda tem o mesmo desejo de antes?
Aquilo que eu disse há três anos, o meu plano, era morar metade do ano no Brasil e outra metade em Portugal: andar atrás do sol, no fundo. Esse plano não morreu, mas entretanto algumas circunstâncias mudaram. O Brasil tornou-se subitamente um país muito caro para os europeus e, no Rio sobretudo, você já não arranja uma casa aos preços de então. Tenho viajado para o Brasil normalmente todos os três meses (sempre encontro um motivo para aí voltar) e tenho aproveitado para conhecer partes do Brasil que ainda desconhecia- como agora, Pipa. Isso vem-me entretendo e distraindo do projecto, sem que, como disse, tenha já abandonado esse sonho de me dividir entre cá e lá.
O senhor também se posiciona contrário aos blogs e às redes sociais na internet, chegando a dizer que o "facebook é a maior ameaça do século XXI". O senhor mantém o julgamento? Por qual motivo?
Até hoje, continuo fora do facebook e continuo a pensar o mesmo - se calhar até, com mais veemência. O facebook tem duas ou três coisas que eu abomino: primeiro, é uma auto-violação da sua privacidade, que é a coisa que eu mais prezo - há ali qualquer coisa de entorpecente, viciante, que leva pessoas normalmente reservadas a acabarem a expor as suas vidas e a sua intimidade a estranhos ou "amigos" virtuais; depois, eu adoro viver a vida como ela é e não uma vida artificial, em que as pessoas comunicam sem se falar, conhecem-se sem se encontrar, escutam-se sem se ver. Acho o tempo já demasiado curto para viver a vida real, quanto mais ainda por cima uma vida virtual. E, enfim, parece-me cada vez mais óbvio que o facebook e as redes sociais estão a ser aproveitadas por poderes alheios - governamentais, policiais, empresariais - para formarem uma vasta rede de informações que lhes são úteis, ou sê-lo-ão no futuro, sobre uma quantidade de cidadãos ingénuos que se colocam a jeito. O facebook é o big brother voluntário, sem necessidade de uma ditadura formal. Quem viver, verá, mas eu aposto que, daqui a uns anos, farei parte do reduzido número dos que poderão exclamar: "felizmente, nunca entrei no facebook!"
Além de escritor, o senhor também é jornalista, sendo presença constante na imprensa portuguesa. Os dois papéis se confundem, se influenciam?
Os dois papéis, o de jornalista e o de escritor, não se confundem nunca, mas é inevitável que se influenciem mutuamente. Eu fui toda a vida jornalista, desde os 20 anos, e era isso que queria ser. O escritor apareceu muito mais tarde, talvez por um certo cansaço de relatar a realidade e os fatos, de ficar preso nesse contexto e nessa narrativa e escrita, e querer experimentar a ficção - que é a realidade inventada. O jornalista influenciou o escritor na forma de contar as histórias e o escritor acabou influenciando o jornalista na forma mais cuidadosa de as escrever. Hoje, não saberia viver fora das duas peles: quero escrever sobre o que vi, mas também sobre o que não vi e podia ter visto.
Que autores brasileiros o senhor leu ou foram importantes na sua formação?
Muitos, muitos mesmo. No início, Jorge Amado, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, e poetas: Drummond, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira. Depois, João Ubaldo e Ruben Fonseca. Hoje, por exemplo, a Tatiana Levy, o Bernardo Carvalho, Milton Hatoum, Luis Rufatto, Chico Buarque, Ana Maria Gonçalves, Fernando Morais e (tão tardiamente!) uma descoberta fora de tempo: Machado de Assis.
Por conta de livros, como "Equador" e "Rio das Flores" lhe posicionam comumente com um autor de "romances históricos", embora também tenha escrito livros infantis, de viagem, entre outros gêneros. Esse "rótulo" é suficiente para caber a sua literatura? É o gênero de sua predileção?
Não, tenho livros de outro gênero e publicados no Brasil: "Não te deixarei morrer, David Crockett" e "No teu deserto", que é o meu último romance, pequeno e que não tem nada de romance histórico, é antes um romance intimista, escrito na primeira pessoa. De fato, acho que não tenho gênero. Já escrevi, por exemplo e sem publicar, um livro de BD e uma peça de teatro, já publiquei três livros infantis, dois de viagem, dois de escritos políticos e agora vai sair um...de culinária, chamado "Cozinha d'Amigos". Como vê, não tenho regra, ou apenas esta: escrever aquilo que me apetece escrever em cada momento. Agora, estou a trabalhar num romance, mas não sei (nunca sei) se irá até ao fim ou se o interrompo para escrever outra coisa.
A minissérie que teve como base o seu primeiro romance, "Equador", está sendo exibida no Brasil, inclusive com dublagem para o português "abrasileirado". O senhor gostou da adaptação? Reflete com fidelidade o seu trabalho como escritor?
Não, eu reconheço o esforço investido na produção da série, mas estou como todos os escritores perante a adaptação de uma obra sua à televisão: não é bem o meu livro, é apenas a minha história, contada por outros e de outra maneira. Mas estou muito contente com o fato de a TV Brasil ter decidido ir em frente com a adaptação do "Equador". É um orgulho para mim.
O seu trabalho é citado como sendo de uma "nova geração" de escritores portugueses. Essa denominação - nova geração - faz sentido para o senhor? Qual a sua opinião sobre o momento atual da literatura portuguesa?
Eu sou apenas da nova geração porque comecei a escrever tarde. E, embora não me identifique com nenhum em particular, nem com nenhuma escola ou geração de escrita, sou um leitor muito atento e admirador de alguns escritores dessa nova geração portuguesa. O que penso, grosso modo, é isto: durante muitos e muitos anos, a literatura portuguesa era essencialmente poesia: a prosa e o romance não prestavam. Hoje, sucede o contrário: temos ótimos romancistas e falta de bons poetas.
Como se deu sua incursão no universo da literatura infantil?
Sou filho de uma poetisa [Sophia de Mello Breyner Andresen] e também escritora de livros infantis. Aprendi com ela que a escrita infantil é a coisa mais difícil, mais útil, em termos sociais, e mais importante como reciclagem de quem escreve. Saber contar bem uma história para crianças, encontrar o tom narrativo e a linguagem acertadas, é um exercício essencial para quem escreve também romances para adultos. E assim, volta e meia, vejo-me de novo tentado por essa espécie de "regresso à escola"- que é, aliás, muito compensador quando encontramos as crianças despertas para a leitura através dos livros que escrevemos para elas. Com grande orgulho e alegria minhas, o meu primeiro e terceiro livros infantis estão agora saindo no Brasil, pela Companhia das letrinhas. E pensar eu que, em criança, lia os livros do José Mauro de Vasconcelos e agora são livros meus que crianças brasileiras vão poder ler!
O ambiente literário, digo a convivência entre escritores, no Brasil costuma ser bastante pacífica, camarada, até corporativista. Em Portugal, pelo contrário, essa convivência aparenta ser mais tensa. Exemplo: é famosa a briga entre Lobo Antunes e Saramago. O próprio Lobo Antunes disse em entrevista que Miguel Sousa Tavares "não é escritor nenhum! nunca será!". As polêmicas são mesmo comuns? O senhor, que é famoso por não temer polêmicas, respondeu a Lobo Antunes, à época?
Não, não respondi. Tenho pena do Lobo Antunes, porque ele sofre de uma doença portuguesa, que é tão antiga como mortal: a inveja. Quem é que pode defenir o que é um escritor? O Lobo Antunes sabe? E qual é a definição? Eu próprio, depois de escrever o "Equador" e de ter visto desaparecer 200.000 exemplares em menos de dois anos, disse-o, numa entrevista: "Não sei se sou um escritor ou apenas um contador de histórias. E não sei se prestei um serviço à literatura. Mas sei que prestei um serviço à leitura". A coisa que mais admiro no Brasil, no meio literário, musical, artístico, é exactamente a ausência de inveja entre oficiais do mesmo ofício. Isso, que você chama de corporativismo, eu chamo de camaradagem de armas. Uns cantam as músicas dos outros, uns prefaciam os livros dos outros, ninguém diz mal de ninguém: é verdadeiramente uma coisa admirável, para mim. A forma como, por exemplo, os escritores brasileiros me receberam a mim- que era português, não tinha curriculum algum, vinha de lado nenhum- foi e será para sempre inesquecível. Talvez venha daí a minha vontade de viver pelo menos metade do ano no Brasil. Deve ser fantástico para escrever em paz.
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