Fernando Morais fala sobre novo livro-reportagem ambientado em Cuba e nos EUA

Morais lança livro-reportagem que reconstitui a trajetória de agentes secretos de Cuba que se infiltraram nos Estados Unidos para impedir ações terroristas na ilha
Brasília (Adital) - Houve um tempo em que mercenários contratados por organizações de extrema-direita da Flórida recebiam U$ 1,5 mil por bomba colocada em Cuba. "Hoje ainda é possível ver em Miami manifestações de rua contra a Revolução, mas as novas gerações parecem mais interessadas em ouvir salsa do que em colocar bombas", diz o jornalista Fernando Morais. Ele está lançando "Os últimos soldados da Guerra Fria", livro-reportagem que reconstitui a trajetória de agentes secretos de Cuba, que se infiltraram nos Estados Unidos para impedir ações terroristas contra a ilha.

No próximo dia 20, às 19h, Morais apresenta a publicação em São Paulo, na Faculdade Paulista de Comunicação (Fapcom). Na ocasião, o autor participa do debate "Os 5 cubanos ignorados pela mídia", ao lado da presidente do Conselho Mundial da Paz (CMP), Socorro Gomes, e do cônsul de Cuba, Lázaro Mendes Cabrera. O evento é promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé.

A discussão ocorre no momento em que René González - um dos agentes secretos retratados no livro - acaba de ser libertado nos Estados Unidos, depois de 13 anos de prisão. Apesar de ter cumprido toda a sentença, René está sendo obrigado pela Justiça norte-americana a permanecer nos EUA, em "liberdade vigiada", por mais três anos.

Esse é apenas o capítulo mais recente da trama narrada por Morais, que poderia muito bem ter saído de um trailer hollywoodiano - com cenas de espionagem, suspense e aventura -, mas não tem nada de ficção. Foi vivida por 12 homens e duas mulheres que aceitaram deixar suas vidas em Cuba para integrar a Rede Vespa e espionar algumas das 47 organizações anticubanas que existiam em Miami na época.

"Eram organizações de extrema-direita, que atuavam como entidades humanitárias para ocultar seu verdadeiro objetivo", conta Morais ao Vermelho. Tais grupos - contrários ao regime comunista implantado por Fidel Castro - se dedicavam desde a jogar pragas nas lavouras cubanas até a sequestrar aviões que levavam turistas à ilha.

Depois o colapso da União Soviética, o turismo assumiu papel preponderante na economia cubana, e as organizações anticastristas passaram a empenhar esforços para demonstrar que a ilha não era segura para os estrangeiros. Para isso, colocaram bombas em hotéis e bares e alvejaram navios repletos de visitantes. Infiltrados nesses grupos, os agentes da Rede Vespa conseguiram impedir várias agressões.

Para investigar e contar essa história - e também a daqueles que estavam do outro lado -, Morais viajou 20 vezes a Cuba e aos Estados Unidos, debruçou-se sobre diversos documentos dos dois países, fez 40 entrevistas. O resultado é uma obra que já é sucesso de vendas no Brasil. De acordo com a Rádio Havana Cuba, o livro vendeu 20 mil exemplares em três semanas e aguarda lançamento em espanhol e inglês. Conhecedor da realidade cubana (este é o segundo livro relacionado à ilha que escreve), Morais fala nesta entrevista sobre a publicação, as relações entre Cuba e Estados Unidos e seus próximos projetos.

Segundo ele, se o presidente Barack Obama se reeleger, no ano que vem, pode ser que indulte os agentes cubanos que ainda estão presos nos Estados Unidos. "Enquanto Obama precisar dos votos da Flórida, majoritariamente cubanos, não há a menor chance de isso acontecer", avalia ele em entrevista ao portal www.vermelho.org.br.

Governo cubano recusa troca de prisioneiros

Washington (AE) - A Casa Branca ofereceu a Havana a troca de um espião cubano  por um norte-americano detido em Cuba, mas o governo cubano recusou o acordo, informaram funcionários do governo dos Estados Unidos. Os governo norte-americano também indicaram que estariam dispostos a analisar outras queixas do governo cubano depois que Havana libertasse o empreiteiro Alan Gross, disseram as fontes, que falaram em condição de anonimato. Cuba rejeitou a oferta, lembrando que o cubano Rene Gonzalez já havia cumprido a maior parte de sua sentença. Havana queria o perdão para pelo menos outros quatro cubanos condenados com Gonzalez. A prisão de Gross em dezembro de 2009 agravou as relações entre Estados Unidos e Cuba num momento no qual o governo Obama estava tentava aliviar as décadas de tensão entre os dois países. Gross foi pego quando levava equipamentos de comunicação proibidos para Cuba como parte de um programa de promoção da democracia financiado pela Agência de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos.

Em março, ele foi sentenciado a 15 anos de prisão por crimes contra o Estado. Os Estados Unidos dizem que Gross estava apenas tentando ajudar a comunidade judaica cubana a se comunicar com o restante do mundo e não deveria ser processado. O governo cubano está há muito tempo irritado com o destino de Gonzalez e de outros quatro cubanos, conhecidos como a "Rede Vespa", que foram condenados em 2001 por espionar instalações militares norte-americanas no sul da Flórida. Funcionários cubanos dizem que os cinco estavam tentando impedir ataques terroristas na ilha com o monitoramento de exilados cubanos.

Gonzalez foi libertado neste mês após 13 anos de prisão, mas um juiz ordenou que ele passe mais três anos em condicional nos Estados Unidos antes de voltar para Cuba.  Autoridades norte-americanas se ofereceram para pressionar o tribunal federal de Miami a permitir que Gonzalez concluísse sua condicional em Cuba em troca da libertação de Gross. Pela proposta norte-americana, Gonzalez, que tem cidadania cubana e norte-americana, deveria deixar de ser cidadão dos Estados Unidos.

A questão da troca de Gross por Gonzalez foi levantada pelo ex-governador do Novo México, Bill Richardson, assim como por graduados funcionários norte-americanos numa série de reuniões com autoridades cubanas.  Richardson esteve em Cuba no mês passado para tentar libertar Gross.

O funcionário norte-americano destacou que a oferta seria discutida apenas após a libertação de Gross, sem garantias de que a política norte-americana para a ilha seria alterada.

Bate-papo
Fernando Morais » escritor

Como e quando você se deparou com a história dos agentes secretos cubanos e por que resolveu escrevê-la?

Eu soube da história pelo rádio de um táxi, no meio do trânsito, em São Paulo, no dia das prisões dos dez agentes cubanos pelo FBI, em Miami, em setembro de 1998. Assim que pude, viajei a Cuba para tentar levantar o assunto, mas encontrei todas as portas fechadas. Para se ter uma ideia, Cuba só assumiu que eles de fato eram agentes de inteligência três anos depois, em 2001. O tema era tratado como segredo de Estado.

Como foi pesquisar em Cuba? Você teve pleno acesso a documentos oficiais? E do lado norte-americano?

Os cubanos só liberaram o assunto para mim em 2005, mas nessa época eu estava envolvido com o projeto do livro O Mago, a biografia do Paulo Coelho. Com isso, só pude entrar na história dos cubanos em 2008. A partir de então fui várias vezes a Havana, Miami e Nova York. O governo de Cuba liberou todo o material disponível e permitiu que eu entrevistasse quem quisesse, inclusive mercenários estrangeiros que haviam sido presos após colocar bombas em hotéis e restaurantes turísticos de Cuba e que tinham sido condenados à morte.

Nos Estados Unidos foi mais difícil. Como os agentes do FBI são proibidos de dar declarações públicas, só consegui entrevistas em off. Mas graças ao FOIA - Freedom of Information Act, a lei que regula a liberação de documentos secretos - e após pesquisas nos arquivos da Justiça Federal da Flórida, tive acesso a cerca de 30 mil documentos enviados pela Rede Vespa a Cuba e que haviam sido apreendidos pelo FBI nas casas dos agentes cubanos em Miami. E os serviços de inteligência cubanos me deram uma cópia do megadossiê sobre o terrorismo na Flórida que Fidel Castro entregou a Bill Clinton com a ajuda do escritor Gabriel García Márquez.

Parece-me que o acesso aos cinco cubanos que estão presos nos EUA é bem complicado. As próprias famílias nem sempre conseguem visitá-los. O senhor verificou isso na prática? Conseguiu contato direto com eles?

Como não sou parente de nenhum deles nem cidadão norte-americano, não pude visitar pessoalmente nenhum deles. Só consegui autorização para me comunicar com eles por internet. Mas com um limite de 13 mil caracteres por mês. Se as mensagens tivessem mais de 13 mil caracteres, se deletavam automaticamente. Falei também com alguns deles por telefone, pegando carona na franquia mensal de chamadas que suas mulheres e filhos tinham.

Algum deles lhe pareceu um personagem mais interessante?

Todos são personagens muito interessantes, acho que daria para fazer um livro sobre cada um deles. Decidi me concentrar em alguns deles, não só por serem os que tiveram desempenho mais, digamos, cinematográfico, mas também por entender que encarnavam de maneira mais ampla o sentido da missão que o grupo desempenhava nos Estados Unidos: infiltrar-se em organizações de extrema-direita da Flórida que estavam patrocinando ataques terroristas contra Cuba. Mas há personagens muito interessantes também, do ponto de vista jornalístico, do outro lado do balcão. Por exemplo, o mercenário salvadorenho que entrevistei em Cuba e que rendeu dois capítulos do livro.

Quem eram essas pessoas que planejavam os ataques a Cuba naquela época? E quem eram os mercenários que os executavam? Faziam só por dinheiro ou havia alguma questão de fundo?

Eram organizações de extrema-direita, que atuavam como entidades humanitárias para ocultar seu verdadeiro objetivo. Os mercenários, salvo uma ou outra exceção, como o salvadorenho a quem me referi, atuavam por dinheiro. Mais precisamente, recebiam U$ 1,5 mil por bomba colocada em Cuba.

O senhor já tinha escrito sobre Cuba, antes. Como vê a Ilha hoje?

Vejo com grande otimismo. As mudanças econômicas postas em prática pelo presidente Raúl Castro são, na verdade, correções de erros cometidos nos primeiros anos pós-Revolução, quando o radicalismo não tinha limites. Mas confesso que não vejo perspectivas de mudanças políticas significativas enquanto perdurar o bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba.

* Fonte: entrevista publicada na Tribuna do Norte dia 16 de outubro - reproduzida do Portal Vermelho (www.vermelho.org.br)