Reinaldo Moraes, o sátiro das letras

Reinaldo Moraes


Em parceria com o jornal TRIBUNA DO NORTE, O FLIPIPA tem lançado semanalmente uma série de entrevistas com autores convidados para a 4ª edição do festival. Desta vez o sujeito da conversa é o escritor Reinaldo Moraes. Quem assina a entrevista é o jornalista, escritor e crítico literário Carlos de Souza. Nela, o autor de Abacaxi e Pornopopéia reafirma sua personalidade provocadora e a escrita mordaz e divertida que o colocou entre os autores mais cultuados da literatura contemporânea. Confira:

Por Carlos de Souza
jornalista

O escritor Reinaldo Moraes, 62, surgiu para o público leitor brasileiro com o livro Tanto Faz, em 1981, grande sucesso da coleção Cantadas Literárias, da Editora Brasiliense. Com personagens engraçados, irônicos, hedonistas e uma prosa fluida, saborosa mesmo, Reinaldo Moraes conquistou os corações e mentes de muita gente. Em seguida veio Abacaxi, livro que todo universitário descolado da época tinha que carregar na mochila. Agora Reinaldo Moraes está de volta com seu festejado novo sucesso intitulado Pornopopéia. É esse jeito bem-humorado e desbocado que ele vai trazer para o Festival Literário de Pipa deste ano, na sexta-feira 23, às 19h30, na mesa "À Margem, na literatura brasileira", tendo ainda a participação do jornalista Mario Ivo Cavalcanti. Confira aí nessa entrevista que ele me concedeu, ao que parece, a duras penas. Mas ficou muito engraçado, vejam aí.

Você surgiu para o público brasileiro com o livro Tanto Faz. O livro recebeu críticas no início, mas a minha geração (na faixa dos 50) adorou o livro, que acabou fazendo a cabeça de muita gente. Como você sobreviveu a isso? 

O mais espantoso seria saber como sobrevivi a mim mesmo.

Seu livro seguinte, Abacaxi, surgiu em meados da década de 1980, e fez muito sucesso também. A que você credita esse interesse? 

O porra do Abacaxi não fez sucesso nenhum na época do lançamento. Três malucos leram e gostaram. Uma maluca também, se bem me lembro. Nas Grandes Galerias, aqui em São Paulo, reduto punk ZL e ZN, tinha pra vender num daqueles andares, no fundo.

Depois você escreveu A Órbita dos Caracóis, de 2003, que é uma irônica, catastrófica, estória policial. Como foi a recepção do público e como você encarou isso tudo? 

Adorei a descrição: "Irônica, catastrófica, estória policial." É isso mesmo. E foi adotado em várias escolas. Fui dar palestrinhas pra molecada num monte delas. Não virou nenhum best-seller. Um micro best-seller, talvez. Já deu pra fazer vários supermercados com a grana. Mas, antes de emplacar nas escolas, alguns bons leitores adultos também tinham curtido o livro. Ou, pelo menos, gentilmente, me disseram isso. Pra mim, o rótulo praquilo é "aventura". Um rótulo desses, aqui no Brasil, já vira sinônimo de "juvenil", se não tiver personagem pipando crack e fazendo suruba. Pra mim tudo bem. Nâo tenho nada contra as juvenilidades auriverdes, como diria Mário de Andrade.

Aí você partiu para um livro de contos, Umidade, com a sua marca do humor e ironia fina. É verdade que escrever contos é mais difícil que outros gêneros? 

É mais rápido. Erra-se mais rápido também. Lê-se mais rápido. Esquece-se mais rápido. Com a exceção do conto longo

Seu livro Barata! é um livro infantil que fala sobre a mediocridade humana. O que é isso? Um Kafka tropical? 

Hahaha! É uma novelinha que usufrui da mesma vantagem das baratas: passa por baixo das portas.

Parece que você voltou ao sucesso do início de sua carreira literária com seu novo livro Pornopopéia, de 2009. Você mudou ou os leitores mudaram? 

Todos mudaram. Eu, por exemplo, morava em casa. Hoje moro em apartamento.

Tem muito sexo e drogas em seus romances. Seria uma mistura de jornalismo gonzo com Charles Bukowski? 

E mais umas pitadas de absoluta falta de vergonha.

De quais escritores brasileiros atuais você compraria um livro para ler em casa? 

Não compro, me dão. E nem sempre consigo ler. Gosto de vários, como chapas de bar e como escritores.

Você acha que tem muita panelinha de escritores no Brasil? 

Panelinha, não. Frigideira.  

Um país com as dimensões do Brasil corre o risco de ter literaturas ilhadas em suas regiões ou estados?

Somos todos um pouco ilhados pela língua portugobrasileira. Gande Sertão: Veredas virou uma novela de cáuboi em alemão, diz quem leu primeiro em português.

Sem sacanagem, escrever dá mais prazer ou dor? 

Dá uma escoliose filha da puta. E eventuais hemorróidas.

Você escreve também para a televisão. Como você explicaria fenômenos como a recente novela Avenida Brasil?  

Vi só meio capítulo no final, um bifão sensacional da Carminha dando um esbregue num padre. Achei sensacional. Mas não ando mais escrevendo pra TV.

Poderia falar um pouco sobre sua experiência como autor de novelas? 

Salsicharia pura. Você emenda uma salsicha na outra, espreme uma sai lágrimas, espreme outra sai porra, outra sai grana, e assim vai. Algumas você espreme e sai salsicha mesmo.

E sua experiência como roteirista de cinema?   

Como diz o roteirista, dramaturgo, romancista e o caralho a quatro, o Jean-Claude Carriére, pra escrever ficção de cinema a mando de produtor e diretor, o que você precisa não é de talento. É de estômago.

Você também é tradutor. Como é essa vivência de ser tradutor e autor ao mesmo tempo? 

Traduzir dá um tremendo lustre na sua capacidade redacional, aplique você isso onde e como quiser. Já traduzi uma porrada de coisa, e posso te afirmar: não sou um grande tradutor.

Você não tem um bom relacionamento com a crítica. Às vezes não dá vontade de dar umas porradas nesses caras?

Rapaz, vou te contar: meu último livro, o Pornopopéia, só recebeu elogio, e de gente fudidona, que eu nem vou ficar aqui enumerando de alegre. Até me senti meio besta. Mas já passou.

Você acha que os escritores atuais são mal-humorados ou são os leitores? 

Sei lá.  

Diga aí quais são seus futuros projetos. Tem algum em mente?  

Tenho: acabar isso aqui e abrir uma cerveja. Tá quente pra cacete aqui.