Poesia, resistência, biografias e história política do Brasil marcaram o segundo dia do Flipipa


“Não esqueçamos jamais que as ideias são menos interessantes do que os seres humanos que as inventam, modificam, aperfeiçoam ou traem”. A frase do cineasta francês François Truffaut, colhida pelo escritor Mário Magalhãaes  na abertura do livro “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, explica o clima de encantamento e emoção na segunda noite do Festival Literário da Pipa. Uma noite iluminada por trajetórias de grandes personagens da história brasileira,  cujas ações ajudaram a explicar o Brasil de ontem e de hoje.
 

Foram três momentos distintos que se interligaram de alguma forma: a trajetória do poeta Chacal, um dos maiores nomes da poesia brasileira, que abordou o tema “Literatura e resistência”; o historiador e escritor Rodrigo Lacerda, neto do político e jornalista Carlos Lacerda (1914-1977), apresentando cada personagem do livro “A Saga dos Lacerda: Do fim do Império a Era Vargas”; e o jornalista e biógrafo Mário Magalhães, que esmiuçou a frenética trajetória do guerrilheiro, político e poeta Carlos Marighella.


O primeiro personagem da mesa literária não está só nos livros, mas presente fisicamente. Aos 63 anos, o poeta e letrista Ricardo Chacal, um dos mais originais e irreverentes nomes da poesia brasileira, contou que sua formação poética se deu muito mais através da música do que pela literatura. “Cresci vendo e ouvindo muita música. Meu pai era jogador de futebol e minha mãe dona de casa, mas ambos adoravam ouvir tangos, boleros, musicais. E minhas irmãs eram fãs de Elvis, Beatles. Aprendi poesia também ouvindo marchinhas de carnaval, o samba. Depois veio a Tropicália...”


“Chacal” foi um dos primeiros poetas da década de 1970 a se utilizar do mimeógrafo para divulgar sua poesia com o livro Muito Prazer (1971). Tempos de ditadura militar, quando as manifestações culturais nacionais passaram a ser perseguidas. A poesia virou arte marginal e nesse cenário surgiram artistas de grande cristividade poética, que produziram suas próprias publicações.
Chacal é também exemplo de que os sonhos não envelhecem. Desde 1990 é diretor do CEP 20.000, espaço de efervescência poética no Rio de Janeiro. O endereço completou este ano 24 anos como ponto de encontro onde a poesia falada é a estrela do espetáculo.  Para as novas gerações, ele provoca: "É hora da poesia sair dos livros e ganhar o palco. Não precisa escrever um livro para fazer reverberar um poema", disse.


A segunda mesa da noite apresentou ao público personagens instigantes da história política brasileira, através do historiador e escritor Rodrigo Lacerda. O autor faz um retrato biográfico do avô Carlos Lacerda e demais membros da família. Homens de um mesmo sobrenome, mas com opiniões tão divergentes, e ao mesmo tempo tão geniais em suas ações, que foram crusciais, cada um a seu modo, para o cenário político do Brasil desde o final do império, passando pela primeira República até a  Era Vargas.  O debate contou ainda com perguntas dos potiguares Ticiano Duarte e Diógenes Dantas. O primeiro pontuou a passagem de Carlos Lacerda, avô de Rodrigo, pelo governo da Guanabara. Perguntando pelo debatedor Diógenes Dantas qual personagem foi a maior surpresa para o autor ao escrever sobre “A República das Abelhas”, Rodrigo destacou o Maurício Lacerda, pai do seu avô que foi deputado federal.   “Maurício foi um homem a frente do seu tempo”.


Última mesa da segunda noite, "Marighella e a batalha das biografias não autorizadas" lançou luz na história de um dos mais importantes nomes da história política do Brasil. O escritor e jornalista Mário Magalhães, um verdadeiro carpinteiro na busca por informações raras, resgatou histórias e contou como construiu a biografia do político, guerrilheiro e poeta Carlos Marighella. Tendo mediador o jornalista Cassiano Arruda Câmara, Magalhões explicou a construção da pesquisa que resultou no livro, abordou a luta pela mudança da lei que vigora sobre as biografias não autorizadas no Brasil e respondeu perguntas do público, lembrando personagens importantes que cruzaram o caminho do biografado como Frei Tito e Sobral Pinto.

“Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo” recebeu vários prêmios, entre eles o prêmio Jabuti de Melhor Biografia. Segundo Magalhães, a obra está na quinta reimpressão, somando mais de 45 mil exemplares vendidos. O autor também vendeu os direitos de adaptação para o cinema, ao ator e diretor Wagner Moura e o cineasta Fernando Meirelles, que farão um filme de ficção inspirado nas ações de Marighella. 
Ao falar da eterna batalha das biografias, lembrou que apesar de ter escrito uma obra bem sucedida comercialmente, ela não rendeu nem 15% do salário que receberia se não tivesse deixado o cargo de repórter especial e obundsman da Folha de São Paulo, para passar cinco anos debruçado nessa pesquisa. 
“A legislação vigente no Brasil é obscurantista, ela proíbe relatos históricos independentes impondo censura prévia, impossibilitando que o brasileiro conheça a própria história. Muitos biógrafos, jornalistas e historiadores estão abandonando projetos de biografias, temerosos de que as famílias impeçam a publicação de livros”, disse.