No furacão de Leminski

José Miguel Wisnik | Foto: Renato Stockler
“A poesia de Paulo Leminski revela uma síntese entre a coloquialidade e o rigor da construção formal, herdada da estética concretista. O humor está presente em boa parte de sua obra poética, assim como a influência melódica da canção popular e trocadilhos da cultura popular. Talvez isso possa explicar o sucesso que a poesia continue a fazer entre as novas gerações, mais de vinte anos após sua morte”, comentou o músico, compositor e ensaísta José Miguel Wisnik sobre o autor curitibano, que voltou às prateleiras com “Toda Poesia” (Companhia das Letras) em 2013 – um fenômeno de vendas para os padrões de títulos do gênero.

O paulista, convidado do Festival Literário da Pipa, conversa com o público sobre Leminski (1944-1989) dia 7 de agosto, às 20h30, primeiro dia do evento, na Tenda Literária, epicentro da programação do Flipipa. O acesso é gratuito.

Professor de Literatura Brasileira na USP, Wisnik estudou piano clássico antes de optar pelas Letras. Com quase uma dezena de livros lançados e quatro discos gravados, coleciona parcerias musicais com Tom Zé, Ná Ozetti, Jorge Mautner, Caetano Veloso e o próprio Leminski, com quem criou “Polonaise” e “Subir mais”. José Miguel também assinou a direção musical do álbum “Do cóccix até o pescoço” que marcou a volta de Elza Soares aos holofotes.

Para ele, o interesse pela poesia de Leminski ganhou fôlego na internet, mesmo que muitas vezes circulem textos creditados erroneamente – fato comum de acontecer com autores como Clarice Lispector. “Há alguns escritores que o folclore internético toma como signatários de pérolas de sabedoria. Já vi frases sentenciosas e banais atribuídas a Clarice, Fernando Pessoa, Borges ou Shakespeare. É engraçado e interessante que Leminski apareça entre eles. Imagino que fazer parte desse folclore digital facilite a propagação de um autor, mas também é já um indício de que ele tem vocação para ser propagado”, acredita Wisnik, que concedeu a seguinte extrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE:

Wisnik, você que assina o posfácio do livro “Toda poesia” (Companhia das Letras, 2013), como explicaria o fascínio de toda uma nova geração pela poesia de Paulo Leminski? A intensidade das palavras dele combina com a velocidade desses tempos, onde tudo é consumido com rapidez e autores mais incisivo e viscerais acabam se comunicando com maior eficiência?
Leminski sempre foi ágil como um judoca no trato com as ideias e com as palavras (o poeta curitibano era faixa-preta de Judô). A relação que tinha com as artes marciais, mas também com a concisão oriental, que ele praticou na sua aclimatação brasileira do hai-kai, com a poesia concreta e com a voga libertária da contracultura dos anos 1970, assim como sua experiência como publicitário, tudo isso contribuiu para a recepção atual da sua poesia. Leminski era um homem erudito, profundamente culto, mas não carregava tralha acadêmica nem peso morto. Sua poesia alia vitalidade, humor e lirismo instantâneo e agudo. “Catatau” (1975), é prosa experimental joyceana tropicalizada, mas corre por dentro dela o provérbio e o jingle. Ele queria ser reconhecido como um hit maker, e acabou sendo um best-seller. É surpreendente, porque poesia tradicionalmente não vende grande quantidade de livros, mas o sucesso dele não cai do nada. O arqueiro zen acabou acertando o alvo que buscava, fora do seu tempo de vida, mas na mosca.

Qual ou quais os primeiros passos para entrar em contato com o trabalho de Leminski?
Acho que a grande entrada é mesmo o volume do “Toda Poesia”. Mas, em matéria de iniciação à vida e à leitura, ter lido “Guerra dentro da gente” (1986) com minhas filhas, quando elas tinham dez ou onze nos, foi uma experiência empolgante, que não conseguimos parar enquanto o livro não terminou. Pode-se seguir também, por exemplo, com suas biografias de Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Tróstski, reunidas em “Vida” (1990). E o ponto mais extremo, desafiador e fascinante, é sem dúvida “Catatau”.

Em sua palestra sobre Vinícius de Moares, durante o Festival Literário de Natal em 2013, você deu uma aula de música junto com olhar analítico sobre a obra do poetinha. E no Flipipa, a música também vai acompanhar o papo com o público visto que Leminski também passeou pela composição?
Paulo Leminski se aventurou pela canção, fazendo letra e também música, como um trovador ao violão. Sua poesia dialoga com a poesia da música popular brasileira. Já fiz palestras sobre Leminski acompanhado de uma banda, apresentando repertório musical dele, e incluindo algumas parcerias nossas. Não será esse o caso no Flipipa, mas não deixarei de exemplificar com algumas canções.

Você parece muito à vontade no palco. Gosta de participar desses eventos literários? 
Gosto de participar de todos os eventos em que haja troca, em que os saberes se toquem.

E qual a importância desse tipo de evento? Acredita que esses festivais colaborem com o despertar do interesse pela leitura?
Vivemos num país de pouco hábito de leitura, e de uma grande massa de analfabetos funcionais, incapazes de dar sentido a uma frase mais longa, o que é um problema grave. Aqui a literatura não se faz como o exercício de uma tradição consolidada, mas de uma luta permanente. Acho que às vezes os grandes eventos literários, e as gigantescas feiras do livro, servem para mascarar o fato de que pouca gente lê. Descontada essa ressalva, mas por causa disso mesmo, eventos literários podem ser extremamente importantes para arejar o ambiente, movimentar ideias, ampliar e conquistar leitores.

A literatura muda a vida de alguém?
Sim. Seja sutilmente ou radicalmente.

* Fonte: Tribuna do Norte